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Associação do platonismo e da Cabala em Reuchlin (Vieillard-Baron)

JLVB1988 É em sua última grande obra, De Arte Cabbalistica, de 1517, que Reuchlin explica mais claramente seu projeto ecumênico de associação do platonismo e da Cabala. Essa combinação pressupõe, na verdade, um terceiro elemento, que é o cristianismo, dentro do qual o platonismo e a Cabala devem se encontrar. O desejo explícito de Reuchlin é revigorar o pensamento cristão com essas contribuições muito antigas e ricas. De qual platonismo se trata precisamente? Obviamente, Reuchlin não estudou diretamente os diálogos de Platão. Ele foi formado no aristotelismo, como todos os homens de sua geração. Todo estudante da universidade escolástica, seja em Colônia ou em Poitiers, recebia uma formação aristotélica — formação ou, melhor dizendo, deformação que os humanistas se apressaram em rejeitar. Falar de aristotelismo nessa época não é, certamente, uma descoberta, mas sim evocar — o que é óbvio — os fragmentos que cada um guarda do ensino que recebeu ou sofreu. Se há um aristotelismo difuso, encontra-se, ao contrário, um platonismo preciso. Reuchlin o chama de “Pitagorismo”. Sem dúvida, Pitágoras e Platão são muito distintos para nós, ainda mais porque a antiga tese de Franck, Plato und die sogenannte Pythagoräer, tendeu — de forma bastante imprudente, é verdade — a mostrar que Pitágoras e os pitagóricos eram, na verdade, um mito. De fato, antes da famosa obra do filólogo alemão August Böckh, Philolaos, em que ele reúne os principais fragmentos pitagóricos que nos restam — em 1819 —, ninguém havia feito uma clara distinção entre Pitágoras e Platão. Reuchlin segue aqui um ensino lendário que vem dos doxógrafos gregos e dos platônicos tardios. Para Diógenes Laércio, para Simplício, para Proclo — o último diádoco platônico —, Platão havia ido ao Egito recolher o legado de Pitágoras. Isso é essencial, porque, além da Grécia, na cadeia da tradição, está o Egito. E Reuchlin pode escrever sobre Pitágoras que ele, “o pai da filosofia itálica, não está muito distante dos persas, dos palestinos, nem dos árabes de nosso tempo, no que diz respeito à doutrina básica”. Pitágoras é, portanto, um elo essencial para remontar a essa religião originária, essa Ur-religion que, três séculos depois, sob o impulso de Herder e do platônico cabalista Kleuker, os mitólogos românticos alemães buscariam. Também é muito significativo o fato de Reuchlin citar indiscriminadamente a Enéada sobre os demônios de Plotino, os Mistérios do Egito de Jâmblico, o Timeu de Platão e o Timeu de Locres. Ora, este último texto, apresentado por Proclo antes de seu comentário sobre o Timeu de Platão, está escrito em dialeto dórico e pretende ser um escrito pitagórico do qual Platão teria se inspirado em seu Timeu. Na verdade, como mostrou Tennemann no final do século XVIII, trata-se de um apócrifo, cujo vocabulário é totalmente aristotélico. Reuchlin se baseia nesse texto como se fosse um escrito pitagórico autêntico. Daí resulta certa confusão, especialmente sobre as duas noções de alma e matéria. Sobre a alma, Reuchlin quer mostrar que Pitágoras não afirmou a metempsicose, e seu argumento é que a mesma alma não pode informar o corpo de um homem e depois o de um animal. Uma espécie determinada não pode coincidir com outra. Pelo contrário, para Reuchlin, “a perspectiva última do corpo humano é a alma racional”. Mas nem Platão, nem mesmo os textos ditos pitagóricos, sustentaram que a alma informava o corpo, que ela era a forma do corpo. Da mesma forma, a oposição entre forma e matéria não é platônica. No Timeu de Locres, cujo subtítulo é “Sobre a Alma do Mundo”, a forma desempenha o papel de macho e pai, e a matéria, de fêmea e mãe. Sem dúvida, Reuchlin foi impressionado por esse simbolismo sexual que representa a criação como um grande coito universal, porque a Cabala também faz muito uso desse procedimento. De qual Cabala se trata, então? Assim como as Conclusiones Cabbalisticae de Pico della Mirandola, embora mais legível, a Cabala de Reuchlin não é perfeitamente confiável. Em particular, ele considera Moisés Maimônides como cabalista, quando, na verdade, os verdadeiros cabalistas, como o rabino Abraham ben David de Posquières, pai de Isaac, o Cego, queimavam as obras de Maimônides, suspeitas de racionalismo. Nesse ponto, Reuchlin simplesmente segue a opinião de Pico. A literatura cabalística é inumerável, mas Reuchlin menciona, no início do De Arte Cabbalistica, o Zohar, atribuído a “um sujeito de nome Simão, filho de Eleazar, da antiga linhagem de Jochai”. A história lendária afirma que Moisés de León, cabalista espanhol, redescobriu no início do século XIV esse texto escrito por Simão bar Yochai sob a inspiração direta do anjo Metatron. E, segundo Reuchlin, o próprio Pitágoras teria “bebido quase todos os seus dogmas” no Zohar. Encontram-se várias definições da Cabala segundo Reuchlin. Nenhuma delas diz que se trata da tradição mística judaica, secreta e paralela ao judaísmo oficial. As definições de Reuchlin são de ordem filosófica. A Cabala, escreve ele, é “a ação de receber pela audição”, o que significa que ela é, antes de tudo, a transmissão de uma mensagem pela palavra, o Verbum mirificum, o Verbo miraculoso. Mais precisamente, ele a define como “filosofia simbólica”, o que implica que o símbolo tem um papel primordial para o acesso à verdade: não apenas é um reflexo do mundo espiritual, mas é parte constitutiva da cosmologia; é ao mesmo tempo a pedra de construção mais convincente na visão cosmológica do universo e o estabelecedor de uma relação vivida com o destino do universo e com Deus. Mais precisamente ainda, ele acrescenta: “A Cabala é a recepção simbólica da revelação divina”, o que significa que ela é uma interpretação alegórica do Talmude e da Bíblia em geral, não uma interpretação intelectual, mas uma interpretação espiritual, em que a palavra é eficaz no homem que a recebe. Por fim, a definição mais completa, frequentemente citada, é a seguinte: “A Cabala não é nada mais que, para falar como um pitagórico, uma teologia simbólica, onde não apenas as letras e as normas são os signos das coisas, mas também as coisas das coisas”. Isso significa não apenas que a escrita deve ser decifrada de acordo com o sentido das letras de cada palavra, mas que a natureza inteira é um sistema de correspondências, um livro que remete ao criador; uma das teses fundamentais da Cabala é, de fato, que há um paralelismo estrito e absoluto entre o mundo visível e o invisível. Reuchlin quer defender essa doutrina contra seus detratores. Por exemplo, os inimigos da Cabala caricaturam a interpretação cabalística da criação de Adão. Segundo eles, os cabalistas ensinariam que Adão, logo após ser criado, teria procurado uma companheira e teria procedido metodicamente acasalando-se “com todos os animais”, “e seus sentidos não se comoveram até que ele se aproximasse de sua esposa”. Chocado, Reuchlin replica: “Como poderia um homem tão grande quanto Adão ter-se acasalado sexualmente com um percevejo, um piolho, uma mosca ou uma cigarra?”

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