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Alma do Mundo em Liszt (Vieillard-Baron)

Jean-Louis Vieillard-Baron (USJJ6)

Ninguém foi mais sensível à renovação do mundo do que o músico Franz Liszt. Em seu belo livro Les Bohémiens et leur musique en Hongrie, ele mostra a extraordinária sensibilidade dos ciganos às mudanças na natureza. E ele descreve um pouco a si mesmo, mostrando o que pode sentir uma sensibilidade aguçada a essa renovação incessante. “Mas”, acrescenta Liszt, ”esses errantes, embriagados pela natureza, carecem de uma consciência das regularidades naturais, dos hábitos que formam a harmonia cósmica. O que lhes falta é a consciência da Alma do Mundo. E Liszt é, sem dúvida, um dos raros gênios que compreendeu até o fim tanto esse princípio de desenraizamento (em oposição ao princípio da causalidade) que ele aplica em suas Rapsódias, quanto a harmonia cósmica que ilumina, às vezes discretamente, às vezes suntuosamente, suas Harmonies poétiques et religieuses. Liszt percebeu o vínculo profundo e inseparável entre música e poesia. Mas ele fez mais do que isso; ele viu o lugar onde a arte, a religião e a filosofia se tornam uma só. Ele evocou isso musicalmente em um poema sinfônico, Orfeu (1854), que ele descreve da seguinte forma: “Eu só queria deduzir da lenda grega o caráter serenamente civilizatório das canções que irradiam de toda obra de arte, sua energia suave, seu império augusto, sua sonoridade nobremente voluptuosa para a alma, seu éter diáfano e azulado que envolve o mundo e o universo inteiro como se estivesse em uma roupa transparente de harmonia inefável e misteriosa”.

Devemos essa preciosa união da alma humana com a Alma do Mundo, esse senso de harmonia cósmica que cria harmonia em nós, à tradição viva do platonismo. O comparatismo espiritual e filosófico da Universidade de São João de Jerusalém encontra aqui uma âncora excepcional. Não se trata de convocar de fora as obras platônicas nas quais a Alma do Mundo aparece. Pelo contrário, trata-se de um trabalho de exegese espiritual: é apenas nos olhos do fogo que se torna evidente o que une Proclus a Botticelli e o Imperador Juliano a Franz Liszt. Podemos, então, ousadamente correr o risco de sermos sincretistas: Henry Corbin não me disse que somos sincretistas assim que começamos a pensar? Esse verdadeiro sincretismo não consiste em comparações casuais; é a visão unitiva e interior que, por si só, pode nos capacitar hoje a devolver sua alma ao mundo por meio de uma hermenêutica espiritual.

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