Souriau (1970) – Situação dramática
Souriau1970
Uma situação dramática é a figura estrutural esboçada, num momento dado da ação, por um sistema de forças — pelo sistema das forças presentes no microcosmo, centro estelar do universo teatral; e encarnadas, experimentadas ou animadas pelos principais personagens daquele momento da ação. Sistema de oposições ou atrações, de convergências em choque moral ou de explosão destrutiva, de alianças ou divisões hostis, é o que teremos de ver, procurando bem determiná-las. Mas ainda assim essas forças são funções dramáticas; isto é, cada uma delas, por um lado, existe em função do sistema de conjunto assim constituído e, por outro, nele traba lha funcionalmente conforme sua natureza, tal como esse sistema a define. E elas são também função do universo total da obra, do macrocosmo cujo microcosmo das pessoas é o centro e a possibilidade de presença.
As funções dramáticas, pois, têm de notável o fato de que, embora unidas intimamente a esses personagens, de outro ponto de vista elas os transcendem, dominando-os e mantendo-os unidos ao universo total da obra.
Em nome delas, cada personagem, pelo fato de estar ligado aos outros e unido à ação ao mesmo tempo que eles por essa forma dinâmica do momento, recebe uma significação dramatúrgica, chave de seus destinos no dinamismo desse universo em ação. Este personagem é como que “signado” ou marcado, a cada momento desse destino, pelo fator que ele representa nesse sistema estelar de forças.
Signado… De que gênero de signatura se trata? Isto é o que iremos ver de perto. Mas já é permitido, a partir de agora, evocar essas “signaturas” que outrora, segundo as ideias de um Giambattista della Porta ], de um Van Helmont ] ou de um Paracelso ], indicavam dominações astrais, simpatias ou antipatias cósmicas, e ao mesmo tempo caracteres, destinos e correspondências do macrocosmo com o microcosmo.
Em seu caráter, sua natureza própria, seu ser íntimo, cada personagem é isolável: ele está emparedado em si, como estamos todos. Por causa da situação, deixa de estar isolado; recebe, para seu bem ou seu mal, uma força ao mesmo tempo sofrida e encarnada, que o transforma profundamente, atribui-lhe uma significação e um destino, obriga-o a viver, de tal modo que ele sonda a si mesmo e se descobre, na revelação de suas solidariedades, concentradas pelo “fato teatral” numa estreita e precisa constelação de pessoas, centro, expressão e modo privilegiado de presença de todo um universo com o qual está em correspondência estrutural, em simbiose de evolução dinâmica.
Um drama é a experiência de uma cessação de isolamento. É o fato coletivo de um pequeno grupo humano no interior do qual se chocam forças arquitetonicamente estruturadas.
É a experiência, também, de solidariedades cósmicas.
De solidariedades cósmicas em choque estelar num ponto focal, fazendo inflamar-se espiritualmente quem ali se encontra.
