O homem é um mundo no mundo
ECLI
Amo somente o que vai mais além do que é; o que sente suas origens e as coisas que o precedem; o que recorda os tempos em que não era ele, o que salta nas antecipações da individuação. Não entendeu nada deste mundo quem não estremeceu ante o profundo sentido da individuação, porque esse nunca intuirá a região de seus começos nem pressentirá nunca seu momento final. A individuação nos revela o nascimento como um isolamento e a morte como retorno. Não ama a vida aquele que não cultiva esse isolamento, como tampouco a ama aquele que não teme o retorno. Que quase ninguém ame o retorno não prova outra coisa senão que este é o caminho para o mundo em que não temos nenhum nome. A individuação deu um nome à vida. Todos nós temos um nome; o mundo que precede a individuação é a vida sem nome, é a vida sem rosto. Só a individuação deu um rosto à vida. Por isso, o desmoronamento da individuação na morte é uma desfiguração. O homem não ama sua cara, que só é um acidente, mas seu rosto, porque é um sinal metafísico. O estremecimento da individuação é um antecedente da desfiguração, é o pressentimento da perda de nosso mundo. O homem é um mundo no mundo. A via do retorno passa pela morte ou quem sabe se o retorno terminará na morte. Nossa relação com o que precedeu a individuação a estabelecemos descendo pela escada de nosso espírito, permanecendo em nós, vencendo o isolamento de nosso rosto, trans-figurando-nos na direção de nosso inícios, e não nos transfigurando, perdendo o sentido figural da individuação, na morte. A vida, que foi antes de que existíssemos nós, a amamos através do retorno; nossos olhos se voltam para os começos, para o anonimato inicial. Voltamos onde não fomos, mas onde tudo existiu, para a potencialidade infinita da vida, de onde nos tiraram a atualidade e as limitações inerentes à individuação. Voltamos sempre que amamos a vida com paixão infinita e nos sentimos insatisfeitos com as barreiras da individuação; e sempre que descobrimos as raízes de nosso entusiasmo para além de nossa finitude figural. O retorno é uma transfiguração vital; o reverter, uma desfiguração metafísica. O retorno é uma mística das fontes vitais; o reverter, pavor das últimas perdas.
