====== Michel Henry (Marx) – a dimensão ontológica da irrealidade ====== Henry, Michel. Marx. vol. I. Una filosofía de la realidad. - 1a ed. - Buenos Aires : Ediciones La Cebra, 2011. * A obra //A Ideologia Alemã// fundamenta-se inteiramente na distinção entre realidade e representação, que, embora aparentemente trivial e acessível a qualquer lojista que sabe distinguir o que alguém pretende ser do que efetivamente é, permanece desconhecida pela historiografia especulativa; essa distinção é a pedra de toque da crítica ideológica, pois a ideologia consiste justamente em tomar a representação pela realidade ou em abstrair desta última. * A oposição entre realidade e representação equivale à oposição ontológica radical entre //prática// e //teoria//; a realidade, que Marx sucessivamente identificou com a universalidade ideal (Hegel), o objeto sensível (Feuerbach) e a ação (Teses sobre Feuerbach), é finalmente determinada como a //ação real// que exclui de si a objetivação e a intuição, ou seja, como a subjetividade imanente da vida que se prova a si mesma na necessidade, no sofrimento e no trabalho, sem distância e sem transcendência. * A ambiguidade do conceito de representação (desvelada na nota de Kant à primeira edição da //Crítica da Razão Pura//) reside na distinção entre representação ontológica (que dá o ser tal como ele é, p. ex., o espaço como representação originária) e representação simples (cópia, imagem, conceito); a ideologia é o conjunto das representações simples da consciência humana (ideias, leis, categorias) que, situando-se na dimensão da irrealidade, são ontologicamente heterogêneas à realidade que pretendem representar. * A oposição decisiva não é entre ideologia e ciência, mas entre ideologia e realidade; a ciência, enquanto sistema de representações ideais e categorial, pertence ao campo da ideologia (no sentido de superestrutura ideal) e não pode servir de critério último para definir o real; a pretensão de que a teoria científica escape à condição ideológica por uma ruptura epistemológica é ela própria ideológica, pois atribui ao pensamento o poder de determinar o ser. * A crítica do conceito de "Homem" em Marx visa denunciar a substituição do indivíduo vivo pela sua representação na consciência, a redução da prática à teoria; os juristas, por exemplo, consideram as relações vitais como contingentes e acreditam que o código ou a lei são os verdadeiros motores da história, invertendo a relação real de fundação; essa ilusão profissional é a forma paradigmática da ideologia, que projeta a autonomia das ideias sobre a vida material. * A dialética hegeliana do senhor e do escravo é reinterpretada como uma luta de consciências que permanece no plano da representação; o que está em jogo não é a vida real, mas a imagem que cada um faz de si e do outro; a dominação do senhor depende inteiramente do reconhecimento pelo escravo, ou seja, de uma representação, o que faz dessa luta uma história ideológica da consciência e não a história real dos homens. * A análise sartreana do olhar e da vergonha é a caricatura e a verdade da dialética hegeliana: ao reduzir a relação com o outro ao ser-visto e ao conflito de olhares, Sartre elimina a realidade positiva da vida (necessidade, trabalho, afetividade) em favor da pura representação; a "objetivação" do outro pelo olhar é um exemplo de apropriação ideológica (como em Max Stirner), onde a relação real é substituída pela relação imaginária do sujeito com a sua própria representação do outro como objeto. * A "praxis revolucionária" não se confunde com a práxis ontológica fundamental (a produção da vida); a práxis revolucionária é uma atividade teleológica mediada pela teoria política e pela representação do universal, sendo uma modalidade derivada que pressupõe a vida; a identificação da práxis com a revolução ou com a "prática social" totalizante é uma mitologia que hipostasia a soma das ações individuais num sujeito coletivo fantástico. * A "prática social" é uma abstração que representa a totalidade das ações individuais, mas não possui realidade própria nem eficácia causal; atribuir à prática social ou ao "movimento da sociedade" uma agência histórica é recair no idealismo hegeliano da substância-sujeito; a única realidade agindo na história são os indivíduos vivos, e as estruturas sociais são apenas o resultado (e não a causa) da interação dessas vidas. * A tentativa de fundir materialismo e idealismo numa dialética da práxis (como síntese de real e pensamento) destrói a essência da descoberta de Marx; a realidade não é a unidade dialética de sujeito e objeto, mas a subjetividade absoluta da vida que é anterior a qualquer objetivação; a cisão entre vida e consciência é insuperável no plano da representação, pois a consciência é sempre apenas a consciência //do// ser, e nunca o ser mesmo. * O fundamento do mundo sensível reside na //prática//: a natureza que a intuição contempla não é um dado bruto, mas o produto da indústria e da história humana; até a certeza sensível mais imediata é mediada pela atividade de gerações passadas; contudo, essa fundação não significa que o homem crie a matéria, mas que o sentido de ser do mundo como mundo humano é constituído pela atividade subjetiva da vida, que é a verdadeira substância da história. * A verdade da teoria é prática: a questão da verdade objetiva não é teórica, mas prática (Tese II); o pensamento deve provar a sua verdade na realidade e na potência (//Diesseitigkeit//) da ação; isso implica que a teoria, em última instância, se converte em prescrição ("é preciso"), indicando que a realidade não é o que é dado à contemplação, mas o que deve ser feito e transformado. * A distinção entre teoria e prática não é ideológica, mas a condição de possibilidade da crítica da ideologia; negar essa distinção em nome de uma "praxis teórica" ou de uma "teoria prática" é apagar a diferença ontológica entre o ser e o pensar, regressando à confusão especulativa que Marx denunciou em Hegel e nos jovens hegelianos. * A história real não é a história da consciência nem a história das ideias, mas a história da produção da vida pelos indivíduos vivos; as determinações da vida (fome, amor, trabalho) explicam-se por si mesmas na imanência da afetividade e não requerem a mediação do conceito ou da luta pelo reconhecimento para serem reais; a história ideológica é a sombra projetada pela história real na caverna da consciência.